diário #20230925

Parece que passou um ano desde que aqui vim despejar minudências. A desculpa é sempre o cansaço, embora a preguiça e o medo tenham mais culpa no cartório. Depois de uma semana em que o corpo se queixou de quase tudo, esperava que a época do cozido começasse com mais frescura. Voltamos ao suadoiro no autocarro, mas sem tantas dores nas dobradiças. Tenho sonhado muito e dormido pouco, o braço esquerdo a acordar-me paulatinamente. No mesmo sonho tinha no quintal um pavão albino e um corvo amestrado, os melhores #lifegoals dos últimos meses. As dores deixam-me rabujenta e impaciente. As restrições alimentares frustram-me os prazeres da boca e até carcaças semi-queimadas com margarina me augaram esta semana. A dama-da-noite finalmente deu flor e invade-me a sala enjoativa e docemente. No local de trabalho continuo a trocar os rolos de papel higiénico e a emendar as burradas dos artistas que ganham bem mais do que eu. Uma funcionária de meia-idade (acho que posso considerar-me assim) nunca atingirá o status de um freelancer que se promove como a galinha dos ovos de ouro. O país vive às nossas costas, às nossas custas, empregadas com baixa autoestima que suportam cargas de trabalho cada vez maiores e reclamam pouco. Mil vezes investir em máquinas inúteis e toda a espécie de mordomias digitais do que pagar justamente a pessoas que trabalham. As regalias laborais são meramente performativas. Na copa, as conversas do costume, quem tem o melhor electrodoméstico, as férias mais distantes ou menos dinheiro na conta. A cidade continua suja, cheira a escape; os passeios estão peganhentos de sarro. Chego a casa exausta e encharcada e quase caio da sanita abaixo quando vou mijar porque o meu rabo está tão suado que faz aquaplaning no tampo. Que elegância!