diário #20230817

A senhora da caixa do Pingo Doce chamou-me de princesa. Não sei o que pensar disso. Estou quase a ir de férias de novo, vou fazendo férias assim, às pinguinhas e de borla, em casas de familiares. Gosto de ouvir as pessoas que reclamam do alojamento local em Lisboa contarem-me as suas férias alojadas localmente noutros países. Consegui limitar os livros que tenho em casa por ler a 4 prateleiras pequenas. Tenho outra prateleira com os livros que fui deixando a meio, a que chamo patriarchatus interruptus. Sinto que está iminente mais um ataque das formigas, encontro-as isoladas em vários cantos da cozinha, a fazerem o reconhecimento, a triangularem sinais, para fatalmente encarreirarem em direcção à despensa. Já aceitei que esta é uma guerra que não ganharei. Não me convenço a começar a escrever sem ter a certeza de que não vou ser interrompida. Como em 99% do tempo sei que o vou ser, não começo nada a sério nunca. A ficção científica que tenho lido ultimamente fez-me crer que este é o tipo de literatura mais filosófica que tenho encontrado; deixa-me dias a pensar após ter terminado os livros. Leio demasiado, leio para não pensar, como quem bebe para esquecer. Uma solidão intensa pulsa dos sítios da nossa infância que desapareceram. A minha mãe arrelia-se comigo porque não consigo fazer planos a longo prazo, porque eu, ao contrário dela, sei que é demasiado difícil atingir um alvo em movimento. Apontamos para o futuro a partir do presente e quando lá chegamos está tudo desfocado, acertámos ao lado, tudo virou passado. Que bela bosta de frase, eu sei, é foleiro mas é verdade. Ontem matei uma bicha-cadela na secretária, até aí achava que elas só existiam dentro do caroço dos pêssegos. Levei dois dias para me lembrar da palavra mosquetão.